Últimos dias para ver a louca dança que Johan Inger trouxe ao Teatro Camões
Uma conversa com o coreógrafo sueco Johan Inger, criador de Walking Mad, até domingo (29) em cena no Teatro Camões, pela mão da CNB, num programa que inclui ainda Cacti, de Alexande Ekman
“Os nossos maiores dons chegam-nos num estado de loucura”. Do encontro entre a famosa afirmação de Sócrates e a mente criativa do coreógrafo sueco Johan Inger nasceu, há 24 anos, Walking Mad.
Estreou-se mundialmente a 17 de maio de 2001, no Nederlands Dans Theatre, em Haia, nos Países Baixos, e, desde então, nunca deixou de estar em cena em palcos um pouco por todo o mundo, vencendo ainda o Prémio de Produção Lucas Hoving, em 2001, e o prémio da crítica italiana, Danza & Danza, em 2005.
Chougou por fim a Portugal, a 19 de junho, pela mão da Companhia Nacional de Bailado (CNB), e estará em cena no Teatro Camões, em Lisboa, até domingo, dia 29 de junho, num programa que inclui ainda Cacti, de Alexander Ekman, já dançada pela CNB em 2023.
Ao longo de cerca de 30 minutos, ao som do Bolero, de Maurice Ravel, e de Für Alina, de Arvo Pärt, um corpo de bailado e quatro protagonistas – três mulheres e um homem - desenham, com movimentos intensos e teatrais, um retrato da loucura que existe dentro e fora de cada um de nós.
Elemento essencial do espetáculo, “bailarino estático”, nas palavras do próprio coreógrafo, é o muro que divide o espaço cénico em dois. Com ele, contra ele, sobre ele, através dele, à sua frente ou atrás de si, os bailarinos dançam, criam tensões, ilusões, surpreendem-se ou assustam-se uns aos outros, num desfile poético de muitas das mais viscerais emoções humanas.
Conversei com o coreógrafo da obra, alguns dias antes da estreia, para uma entrevista publicada no Jornal de Letras que esteve nas bancas de 11 a 24 de junho. Deixo agora também aqui a conversa e o convite a tentarem passar no Teatro Camões até domingo.


Walking Mad tem como base de inspiração a afirmação: “Os nossos maiores dons chegam-nos num estado de loucura”. Sente que esta ideia se aplica à sua carreira e processo criativo enquanto coreógrafo?
Sim, de certa forma, sinto. Posso apenas falar por mim, mas, trabalhando numa indústria criativa, tenho de estimular a criatividade: a minha, a dos bailarinos, a da sala de ensaios. Tento ser meio louco, pateta, tonto, ou todas estas coisas ao mesmo tempo, a fim de criar um ambiente em que as pessoas se libertem e, caso existam erros, possam ser incorporados como parte do processo. É uma filosofia que me dá grande liberdade. Até porque se, por vezes, a inspiração aparece do nada, o que é fantástico, outras vezes tem de ser seduzida, convencida a mostrar-se de alguma maneira.
Quando criou Walking Mad, procurava celebrar essa liberdade que chega através da aceitação de uma certa dose de loucura?
Acho que não estava assim tão avançado nessa altura, para ser muito franco. Queria mais oferecer ao público um encontro diferente do normal com o Bolero [que acompanha a maior parte da coreografia]. A música em si é um desafio, porque já foi dançada muitas vezes, sempre com tendência para abordagens um bocadinho lamechas, sexuais, eróticas, e eu queria desarmar, surpreender as pessoas.
Porquê o Bolero?
Porque me lembrei de uma gravação antiga muito famosa, que tinha visto em criança, da Orquestra Filarmónica de Estocolmo a tocar o Bolero, conduzida por um maestro húngaro. Ele começava muito minimalista, muito contido, com o cabelo todo bem penteado para trás, à medida que a peça ia progredindo, os movimentos iam ficando cada vez maiores e uma madeixa de cabelo saía do sítio, e ao chegar ao final, os olhos já estavam muito abertos e o cabelo completamente selvagem e despenteado. Portanto, a imagem que eu tinha desta música foi uma das inspirações para a coreografia.
Que, porém, termina com um pas de deux ao som de um tema de Arvo Pärt, muito mais contido.
Estava à procura de algo que contrastasse de forma flagrante com o Bolero, entrar numa coisa mais frágil e íntima por oposição ao poder da música e das coreografias de grupo anteriores. Acho que queria evocar uma espécie de eco.
Além do jogo com a música, qual a história desta obra? Quem são estas pessoas que vão “enlouquecendo” em palco?
É como se fosse uma viagem que gira em torno de um homem e três mulheres, cada uma, à sua maneira, presa a si própria, impedida de progredir. As personagens são vagamente inspiradas em colegas e amigos. A primeira rapariga é muito inocente e acredita que se não é vista por um homem, então não tem qualquer tipo de valor. A segunda mulher é bastante destrutiva e a última, cuja vida parece ter passado por ela enquanto as pessoas à sua volta seguiam em frente, está presa ao medo de fazer o mesmo, de atravessar essa linha.
Falando em “atravessar a linha”, os bailarinos estão constantemente a passar através ou por cima de um muro com portas. Qual a importância deste muro, que chega a parecer uma personagem em si mesmo?
É quase como se fosse um bailarino estático. Ao perceber que o início da música era levemente repetitivo e minimalista, achei que ia precisar de ter pequenas cenas e, para isso, optei por usar o muro, porque permite-me ter diferentes formas, compartimentos e situações no mesmo espaço. Além disso, se estivermos atentos, veremos que é como um ciclo. Quando a peça começa, o muro está lá atrás e, de repente, é empurrado para a frente, fazendo uma longa viagem até regressar ao ponto de partida, mas, quando lá chega, já nada está igual ao início.
Em que sentido?
Tudo o que era colorido no início do espetáculo, é mais escuro, mais acinzentado, no fim. As peças de roupa que a bailarina apanha do chão, nas cenas inicial e final, são coloridas na primeira e todas cinzentas na segunda. Queria começar com algo colorido e mostrar que há pessoas que, mesmo não querendo perder a alegria de viver, muitas vezes, devido ao medo, não conseguem dar o salto de confiança necessário para que isso aconteça.
É um tema que falará ao coração de muita gente. Acha que, além da qualidade artística, será ele a estar na base do sucesso deste espetáculo?
Não sei, talvez. Ou talvez o público veja a obra apenas como algo divertido. Não sei mesmo porque é que funciona, estou apenas grato que aconteça.
É a primeira vez que trabalha com a CNB?
Sim. Aliás, esta é a minha primeira vez em Portugal. Conheci a Companhia ao longo dos dois dias de casting, mas agora tenho um assistente que está a trabalhar com os bailarinos e eu chego nos últimos cinco dias. Geralmente é assim que funciona.
Quais as primeiras impressões?
Fiquei mesmo muito surpreendido com o nível de qualidade da CNB, havia muitos bailarinos muito bons. Estou muito entusiasmado com a ideia de conhecê-los e ver como está o trabalho.
Walking Mad / Cacti (1h15 com intervalo)
26/06 quinta-feira: 20h
27/06 sexta-feira: 20h
28/06 sábado: 18h30
29/06 domingo: 16h