O mestre do design gráfico em mostra no MUDE
Há 50 anos que João Machado imprime beleza em cartazes, ilustrações, selos, capas de livros, álbuns de música e outros projetos editoriais, agora expostos no MUDE, até 12 de outubro
Stefan Sagmeister disse, certa vez, que é igualmente possível termos uma experiência artística perante uma obra de Rembrandt ou uma obra de design gráfico. O leitor poderá discordar, sem dúvida. Porém, talvez uma visita à exposição João Machado: Poética Visual seja suficiente para mudar de ideias.
Patente no quarto andar do MUDE - Museu do Design, até 12 de outubro, a mostra celebra os 50 anos de atividade profissional daquele que é hoje considerado um dos mais importantes designers gráficos do mundo.
Ao revisitar a obra gráfica de João Machado, a exposição não só destaca a dimensão poética do seu trabalho, como celebra a identidade muito própria que o caracteriza.
Ao longo de cinco “capítulos”, que correspondem às cinco décadas entre 1974 e 2024, diversos cartazes, ilustrações, selos e projetos de design editorial, com cores frontais e intensas, planos ora recortados ora sobrepostos, e formas depuradas e organizadas em grelhas invisíveis, recordam-nos o traço inconfundível que Machado tem vindo a imprimir em tudo o que cria.

À medida que a mostra progride, torna-se evidente que, apesar de na obra de João Machado ecoarem a exuberância cromática do Grupo de Memphis, a experimentação e manualidade do Pushpin Group, ou o amor de Wolfgang Weingart, April Greinman e Michael Vanderbyl pela tipografia, o designer nunca foi “apenas” um pós-modernista, mas sim um espírito moderno a pensar à frente do seu tempo.
Basta pensar que, na década de 1970, antecipou os programas de desenho vetorial (que adotaria 20 anos mais tarde), inventando um sistema de ilustração por recorte de máscaras em papel.
Ou que, em 2023, permitiu que todos os cidadãos tivessem acesso a um espólio de centenas de cartazes, selos, ilustrações e projetos de design editorial e corporativo, de certa forma inscritos na História do nosso país, doando o arquivo da sua prática profissional ao Município de Lisboa e ao MUDE.
Inovação, experimentação e minimalismo
Nascido em Coimbra, em 1942, João Machado rumou ao Porto para estudar na Escola Superior de Belas-Artes. Formou-se em Escultura, mas seria no Design Gráfico que acabaria por rever-se e, posteriormente, internacionalizar-se.
Com numerosas exposições coletivas e individuais no currículo, tem sido reconhecido com várias distinções e prémios, nomeadamente, em 1999, aquele que é considerado o “Nobel do design gráfico”: o Prémio de Excelência da Icograda, o órgão principal desta disciplina a nível mundial.
A viagem através da obra do designer que o MUDE propõe começa no período que vai de 1974 a 1982, o qual corresponde à sua primeira fase de produção cartazista, “imbuída de um forte desejo experimental de diferenciação”, escreve o curador Francisco Providência.

Nas paredes encontram-se, entre outras, reproduções de cartazes realizados para o Ano Internacional da Criança, a Comissão Nacional para o Diagnóstico Precoce, o 1º Congresso Internacional de Estudos Pessoanos, a Romaria do Rosário, em Gondomar, ou a 6ª edição da Cinanima – Festival Internacinal de Cinema de Animação.
Já numa vitrina, ao centro da sala, é possível observar objetos que vão de fichas com ilustrações de animais e meios de transporte, destinadas aos vídeos da Telescola criada pelo Estado Novo, a jogos de dominó que desenhou para o Núcleo Experimental de Design de Material Didático e Pedagógico, e ainda ilustrações de livros infantis e as respetivas máscaras em papel, antecessoras da homónima ferramenta de Photoshop, necessárias à técnica de coloração que inventou nos anos 1970.
A sala seguinte foca-se nos anos 1983 a 1993, marcados pelos numerosos cartazes que João Machado desenhou para a Exponor (Feira Internacional do Porto) e para as suas feiras tradicionais: Concreta, Expomóvel, Campisport, Fimap, Alimentação, Escritório, Fip, Oporto, Ceranor, Informática e Portojoia.
Neles sente-se a influência do interesse do designer no minimalismo repetitivo de Shigeo Fukuda, como se pode obervar, por exemplo, nos cartazes da Concreta de 1985 ou da Expomóvel de 1983.
Depurar as formas, jamais as ideias
Ao chegarmos ao “capítulo” 1994-2003, percebemos que, a partir do fim do século XX, as obras de João Machado passaram a estar imbuídas de uma, hoje tão característica no seu trabalho, preocupação ambiental.
Com cores e uma modelação do espaço a recordar os japoneses Ikko Tanaka, Shigeo Fukuda e Takenobu Igarashi, nasceram, entre outros, os cartazes da Papéis Carreira, da Expo Douro, do Prémio Nacional de Design de Calçado ou de uma campanha de sensibilização do The German Poster Museum.
Por outro lado, entre 2004 e 2013, começam a surgir representações mais sintéticas e com a máxima economia de meios. Nas reproduções de cartazes e selos expostas na parede, já não encontramos as formas sólidas e planas do início.
Ao invés, Machado transformou-as em linhas e manchas que, ora dão forma ao corpo de atletas, nos selos comemorativos dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Londres, em 2012, ora preenchem o corpo de uma das famosas Sardinhas da Fábrica Bordallo Pinheiro.
Relativamente ao trabalho desenvolvido nos últimos 10 anos, à semelhança do que acontece em todas as outras décadas, nas imagens dos cartazes e dos selos expostos, encontramos uma fotografia do mundo como ele era, à data da criação das obras.
Da Guerra na Ucrânia à luta das Nações Unidas em defesa dos direitos das mulheres, passando pela urgência da proteção ambiental, o problema da corrupção ou a questão da tolerância, muitas das imagens expostas refletem os tempos conturbados que atravessamos.
Outras, porém, representam animais, plantas e microrganismos, por vezes de forma realista e outras de forma conjugada, quase como se João Machado quisesse criar um novo ecossistema, capaz de resistir a todas as ameaças ilustradas na primeira metade da sala.
A visita termina nas reservas visitáveis do MUDE, onde se encontram peças originais, ilustrativas das várias fases do processo criativo de João Machado.
Podem-se admirar, entre outros, os estudos, maquetas, arte final e provas do cartaz do XIX Festival de Música de Sintra, os estudos de composição, maqueta e arte final da imagem visual dos CTT em 1990, ou ainda o estudo, ilustração e exemplar final da capa do álbum Campolide, de Sérgio Godinho.